→ Criação e performance
Maikon K

→ Colaboradores
Pesquisa corporal e orientação: Kysy Fischer
Ambiente: Fernando Rosenbaum
Pele: Faetusa Tezelli
Som: Beto Kloster
Luz: Victor Sabbag
Produção: Expressão Produções Artísticas
Design: Adriana Alegria
Vídeo: FLAGCX
Fotografias: George Magaraia, Guto Muniz, Hick Duarte, Lauro Borges, Rômullo Baratto, Tathy Yázigi e Victor Nomoto.
Consultor em xamanismo: Rudá Iandé

→ Duração
Curta: 1 hora
Longa: 4 a 5 horas

→ Distribuição/produção
Corpo Rastreado

Dança-instalação a ser montada ao ar livre ou em locais com grandes dimensões (galpões, galerias, pátios, grandes salas).

Dan é a serpente ancestral africana, origem de todas as formas. Neste trabalho, Maikon K mantém-se imóvel durante 3 horas dentro de um ambiente plástico enquanto uma substância seca sobre seu corpo. Após essa etapa, a imobilidade se dissolve e as pessoas são convidadas a entrar nesse espaço e lá permanecer. Uma mistura líquida envolve o corpo do artista; ao secar completamente, forma-se uma segunda pele, que se rasga durante a dança e da qual ele se alimenta.

Projeto ganhador do Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2012. Em 2015, a artista da performance Marina Abramovic convidou “DNA de DAN” a integrar a mostra “Oito Performances”, dentro da exposição Terra Comunal, no Sesc Pompeia (SP). Em 2016 e 2017, circulou por cidades brasileiras com incentivo do Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2014 e através do circuito Palco Giratório do SESC. Em 2018 integrou a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.

MUITAS SÃO AS MORTES E AINDA MAIS NUMEROSAS SÃO AS VIDAS

Anderson do Carmo*

Nada é facilmente distinguível em “DNA de DAN”, instalação coreográfica de Maikon K trazida a Florianópolis pelo Festival Palco Giratório: vida e morte; humano e animal; dentro e fora; ser parido e desencarnar; a miúdeza do ovo e a imensidão do mar. Não é ocupar um desses extremos o que o artista de Curitiba faz, mas sim esgarçar o minúsculo espaço no qual um algo nem deixou de existir e algo outro já principiou a ser.

Se há comparação operante para a obra é com a peçonha da serpente: ela tem potência de matar e é dela também a potência de curar quem foi envenenado. A dança-peçonha de Maikon não nos penetra por meio de mordidas, mas pelo ar que por nossas vias respiratórias entra depois de deixar os pulmões do artista. Ao arrastarmo-nos para o interior da estrutura inflável que o envolve nos convertemos em fronteira viva, epiderme arrepiada de um corpo nu. Na verdade nem tão nu assim em uma segunda mirada.

A respiração curta do artista afasta uma porção morta dele próprio vivo. O silêncio profundo é profanado pelas rachaduras da pele morta que a serpente-dançarino está a trocar. Infinitos corpos descamam e se revelam a partir do corpo que nos atiça ao serpentear o chão do não-lugar em que entramos. A dramaturgia tecida por Maikon é poderosa, pois converte cada indivíduo que a frui na pele mesma que se despedaça. A cobra na qual Maikon se converte não prepara o bote para abocanhar os que a foram assistir, mas para testar sua pele nova. Ritual íntimo e majestoso: vemos, ouvimos, cheiramos e tocamos a criatura  a se despedaçar até se fazer outra. Transformamo-nos em pele nova que porventura também precisará ser abandonada. Quem nunca sentiu que já não cabia mais em si?

Este autor que aqui escreve admite: é impossível palavrar – por em palavras - “DNA de DAN” de modo objetivo. A poesia é fatal. Bruxaria, sonho, alegoria. “DNA de DAN” é alquimia. E falando em bruxas: quem dos que aí estão a ler está familiarizado com a inquisição? Onde as não compreendidas eram queimadas vivas?

Não por acaso – mas justamente pela capacidade de instaurar uma realidade outra – Maikon K responde processo no Distrito Federal. Há menos de um mês esta mesma obra foi denunciada por “ato obsceno” ao ser performada em frente ao Museu Nacional da República. Policias militares o agrediram, danificaram sua instalação, desconsideraram todos os documentos que comprovavam a legalidade previamente acordada entre a instituição que promovia o evento – SESC – e a cidade de Brasília. Um artista preso por fazer arte. Familiar? Uma prisão por obscenidade na cidade que abriga os três podres poderes que só nos fazem desserviços. Ironia? Mais de 100 pessoas à espera dos ingressos por mais de uma hora no CEART: esperança.

Além e aquém de fetichizar Maikon K como herói nesse eco da censura truculenta e militaresca que teima em ressoar, é como selvageria artística que se deve mirar “DNA de DAN”. Fundamental encerrar esta escrita envenenada pela dança peçonhenta evocando a mais mística de todas as serpentes: Oxumarê. O orixá da fortuna das religiões afro-diaspóricas é arco-íris que transpassa o céu em dia de sol e chuva. Oxumarê é serpente que troca suas peles na água da chuva e no fogo do sol. É boniteza emergente de um contexto quase triste no qual a chuva espanta o sol. Por mais gelada que seja a chuva de retrocesso que está aí a nos gelar os ossos, é certo que o sol brilhará. É certo que a serpente-arco-íris nos arrancará um sorriso.

Obrigado pelas muitas mortes, Maikon. Obrigado pelas muitas vidas. Arroboboi, Oxumarê!

*Artista e pesquisador. Doutorando pelo PPGT-UDESC. Investiga estéticas e epistemologias gay/queer/bicha.

dna DE dan
Miragem programada.
Metamorfose induzida.
O mistério de um corpo in vitro.
Dan é a serpente