→ Creation and performance
Maikon K
→ Collaborators
Body research and orientation: Kysy Fischer
Setting: Fernando Rosenbaum
Skin: Faetuza Tezelli
Sound: Beto Kloster
Lighting: Victor Sabbag
Photography: Lauro Borges
Production: Expressão Produções Artísticas
Graphic design: Adriana Alegria
Vídeo: FLAGCX
Photography: George Magaraia, Guto Muniz, Hick Duarte, Lauro Borges, Rômullo Baratto, Tathy Yázigi and Victor Nomoto.
Consultant in shamanism: Rudá Iandé
→ Duration
short: 1 hour
long: 4 or 5 hours
→ Distribution/production
Corpo Rastreado
Dance-instalation designed to be mounted outdoors, it can be adapted to rooms, halls, galleries etc.
Dan is the African ancestral serpent, the origin of all forms. In this work, Maikon K remains motionless for 3 hours inside a plastic environment while a substance dries over his body. After this stage, the immobility dissolves and people are invited to enter that space and remain there. A liquid mixture covers the Maikon K’s body; as it dries, this substance forms a second skin, ripping during the dance, and from which he feeds.
Project winner of the Funarte Klauss Vianna Award 2012. It premiered in 2013, in Curitiba. In 2015, it was selected by performance artist Marina Abramović to be part of the show "Eight Performances" within the Terra Comunal exhibition at SESC Pompeia - SP. In 2016 and 2017, it traveled to brazilian cities supported by the Funarte Klauss Vianna Award for Circulation and by Palco Giratório SESC circuit.
Anderson do Carmo*
Nada é facilmente distinguível em “DNA de DAN”, instalação coreográfica de Maikon K trazida à Florianópolis pelo Festival Palco Giratório: vida e morte; humano e animal; dentro e fora; ser parido e desencarnar; a miúdeza do ovo e a imensidão do mar. Não é ocupar um desses extremos o que o artista de Curitiba faz, mas sim esgarçar o minúsculo espaço no qual um algo nem deixou de existir e algo outro já principiou a ser.
Se há comparação operante para a obra é com a peçonha da serpente: ela tem potência de matar e é dela também a potência de curar quem foi envenenado. A dança-peçonha de Maikon não nos penetra por meio de mordidas, mas pelo ar que por nossas vias respiratórias entra depois de deixar os pulmões do artista. Ao arrastarmo-nos para o interior da estrutura inflável que o envolve nos convertemos em fronteira viva, epiderme arrepiada de um corpo nu. Na verdade nem tão nu assim em uma segunda mirada.
A respiração curta do artista afasta uma porção morta dele próprio vivo. O silêncio profundo é profanado pelas rachaduras da pele morta que a serpente-dançarino está a trocar. Infinitos corpos descamam e se revelam a partir do corpo que nos atiça ao serpentear o chão do não-lugar em que entramos. A dramaturgia tecida por Maikon é poderosa, pois converte cada indivíduo que a frui na pele mesma que se despedaça. A cobra na qual Maikon se converte não prepara o bote para abocanhar os que a foram assistir, mas para testar sua pele nova. Ritual íntimo e majestoso: vemos, ouvimos, cheiramos e tocamos a criatura a se despedaçar até se fazer outra. Transformamo-nos em pele nova que porventura também precisará ser abandonada. Quem nunca sentiu que já não cabia mais em si?
Este autor que aqui escreve admite: é impossível palavrar – por em palavras - “DNA de DAN” de modo objetivo. A poesia é fatal. Bruxaria, sonho, alegoria. “DNA de DAN” é alquimia. E falando em bruxas: quem dos que aí estão a ler está familiarizado com a inquisição? Onde as não compreendidas eram queimadas vivas?
Não por acaso – mas justamente pela capacidade de instaurar uma realidade outra – Maikon K responde processo no Distrito Federal. Há menos de um mês esta mesma obra foi denunciada por “ato obsceno” ao ser performada em frente ao Museu Nacional da República. Policias militares o agrediram, danificaram sua instalação, desconsideraram todos os documentos que comprovavam a legalidade previamente acordada entre a instituição que promovia o evento – SESC – e a cidade de Brasília. Um artista preso por fazer arte. Familiar? Uma prisão por obscenidade na cidade que abriga os três podres poderes que só nos fazem desserviços. Ironia? Mais de 100 pessoas à espera dos ingressos por mais de uma hora no CEART: esperança.
Além e aquém de fetichizar Maikon K como herói nesse eco da censura truculenta e militaresca que teima em ressoar, é como selvageria artística que se deve mirar “DNA de DAN”. Fundamental encerrar esta escrita envenenada pela dança peçonhenta evocando a mais mística de todas as serpentes: Oxumarê. O orixá da fortuna das religiões afro-diaspóricas é arco-íris que transpassa o céu em dia de sol e chuva. Oxumarê é serpente que troca suas peles na água da chuva e no fogo do sol. É boniteza emergente de um contexto quase triste no qual a chuva espanta o sol. Por mais gelada que seja a chuva de retrocesso que está aí a nos gelar os ossos, é certo que o sol brilhará. É certo que a serpente-arco-íris nos arrancará um sorriso.
Obrigado pelas muitas mortes, Maikon. Obrigado pelas muitas vidas. Arroboboi, Oxumarê!
*Artista e pesquisador. Doutorando pelo PPGT-UDESC. Investiga estéticas e epistemologias gay/queer/bicha.