→ Criação e performance
Maikon K
→ Colaboradores
Som: Hologramm
Produção: Corpo Rastreado
Vídeo-teaser: Feliz Trovoada
Fotografias: Elenize Dezgeniski (Curitiba), Amanda Vicentini (Curitiba), Nityama Macrini (Brasília)
→ Estreou em março de 2018.
Neblina Canibal é uma experiência gerada no atrito corpo-palavra-público. Uma droga que sai pela boca e entra pelos ouvidos. Como acionar a linguagem, o léxico, de outras maneiras, criando novos sentidos para aquilo que tenta nos definir e apreender. Desestabilizar o mundo através da fala, da voz, do som. Como performer e público podem criar juntos um acontecimento difuso, sem regras ou contornos definidos, um espaço de diluição e saturação dos sentidos. Neblina Canibal é uma substância psicoativa sem finalidade, seu único desejo é invadir orifícios e navegar nas sinapses, líquidos e nervos. Trepada, transe, oração.
Demorei alguns dias para absorver totalmente a experiência em participar da performance “Neblina Canibal”, de Maikon K. Na sala fechada daquele espaço antigo, de frente para a entropia crescente de um baixo Largo da Ordem pulsante, o público era primeiramente confrontado com um pombo engaiolado. O bicho estava imóvel até Maikon se aproximar, acolhê-lo nas mãos e lhe oferecer uma janela aberta sem sucesso, já que o pombo não podia voar porque não saberia viver de outra forma a não ser ali, engaiolado entre, ou como, nós.
O prólogo tinha uma função quase didática, determinista, talvez, compreenderíamos todos os 50 participantes depois: se não é possível viver “naquele” mundo, porque não viver neste? Com o perdão da comparação, mais ou menos como a música dos Novos Baianos, “Besta é Tu”: “Por que não viver neste mundo/ se não há outro mundo.”
Isso porque a performance se tornou várias ao mesmo tempo. Em todas as nuances, físicas e filosóficas, tratou do conceito de liberdade, ou, na verdade, das nossas próprias mordaças antilibertárias. A detenção pela Polícia Militar pode ter sido um incentivo.
Já em meio àquela fumaça claustrofóbica, em que não víamos nada a mais de meio palmo de distância, Maikon pediu para que uma moça ligasse para a polícia. Depois de várias tentativas (é sempre assim?), alguém atendeu:
- Estou morrendo. Preciso de ajuda, disse Maikon.
- Senhor, é melhor chamar o SAMU. E a ligação foi encerrada. Que tipo de polícia não se preocupa com a vida?, pensei.
Houve um momento interrogatório, em que Maikon perguntava se o que queríamos era “realidade ou ficção”. Depois, trocou de roupas com uma das participantes. “Eu nunca usei sutiã. Mas não disse isso para que você mostre seus peitos.”
Em seu epílogo, “Neblina Canibal” se transformou numa festa ao mesmo tempo sem limites e limitada por sua própria improbabilidade de existência. Dançamos invisíveis no meio de uma névoa sem fim, ao som de uma música eletrizante permeada por gritos guturais e improvisos vocais. Como se fôssemos vários pombos recém-libertos aprendendo na prática a essência de ser livre.
Desde a metáfora inicial até o fim arrebatador (as janelas foram abertas e toda aquela fumaça se dissipou para a continuidade da noite), Maikon K construiu uma espécie de estudo sobre a arquitetura da liberdade.